Aprendendo com outras culturas ou: "Döners"



Poucas coisas no mundo rendem experiências mais ricas do que o encontro de diversas culturas. Lamento muito pelas pessoas que não enxergam isso. Aquelas que ao pisar em algum país, não tardam a reclamar e suspirar pela ausência da comida já conhecida.

Tenho pena das comunidades estrangeiras que se isolam, ou são isoladas, por medo ou resistência de dentro ou de fora, e assim não se fazem conhecer e nem querem assimilar novas línguas e hábitos. Os viajantes cegos, bobos, que riem dos nativos dos lugares que os recebem, os turistas que tapam os olhos para vivências que mostram que, só porque sempre agimos de determinada maneira, não quer dizer que aquela maneira seja a única.

Lamento pela existência dos intolerantes que dizem "não suportar" uma raça, ou um povo, ou mesmo conterrâneos que vivem além da fronteira de uma simples divisão federal, porque eles puxam o esse ou arrastam um erre ao falar. É mais comum do que deveria ouvirmos por aí: "não confio em oriental", "americanos são todos estúpidos", "europeus são todos porcos", "latinos são muito promíscuos", ou "coitados dos africanos". Tenho pena de quem julga um povo a partir de meia dúzia de histórias.

Aliás, sobre isso, uma escritora nigeriana disse algo muito bonito. Ela alerta para o perigo das "histórias únicas", e fala do quanto uma única versão simplificada, distorcida e fragmentada da história de um povo pode gerar visões ignorantes e estereotipadas sobre todo o complexo que é uma cultura. Existe algo mais rico, complexo, cheio de exceções e nuances, cheio de contradições e maravilhas, do que a formação cultural de um povo?

Encontros de culturas geram novas culturas. Novos hábitos. E novas receitas! Há milhares de exemplos gastronômicos que resultaram da fusão cultural, da assimilação de um ingrediente de um país à técnica de outro. Quem faz isso muito bem é o chef Roland Villard, francês apaixonado pelos elementos amazônicos, que faz sorbet de manga e costela de tambaqui à moda de seu país.

Mas para mim e minhas panelas, que ainda não chegaram nem perto da chamada “alta gastronomia”, um exemplo mais acessível é o Döner Kebab. Desculpem a extensão do relato, mas preciso contar a história desta iguaria antes de chegarmos à receita.

Na Alemanha, um döner pode ser encontrado em toda parte por cerca de 4 euros. É o equivalente ao nosso cachorro quente do fim de noite, uma alternativa mais saudável ao Mc Donald´s, Burguer King e KFC. A cada esquina, uma loja turca vende, até altas horas, aquele sanduíche cuja quantidade de ingredientes dificilmente permite que identifiquemos o que tem dentro. Toda a Europa Ocidental assimilou o hábito. Sidney, Canadá, São Paulo e Japão também. Na terra do sol nascente, as vans turcas percorrem as ruas vendendo “doneru kebabu”.

Se o Império Otomano ainda existisse, poderíamos pensar que a popularidade do döner era mais um sinal de sua influência, de que o turco poderia ser o próximo inglês! Mas o Império se dissolveu com a Primeira Guerra Mundial e, após a Segunda Guerra, seus descendentes começaram a migrar como humildes trabalhadores convidados para ajudar a reconstruir a Europa. Hoje, no Reino Unido, eles somam meio milhão de pessoas. Na Alemanha, 1,6 milhão.

A cultura turca, por si só, já é um caldeirão de influências otomanas, árabes, bálcãs, gregas e ocidentais. Sua gastronomia é riquíssima e inclui carnes, sementes, pimentas, cebolas, alho, lentilhas, tomates, pistache, amêndoas e especiarias de toda sorte.

Mas o döner kebab, ou "quibe giratório" em turco, é o chamado "churrasco grego" (olha que samba), que consiste em carne assada num espeto vertical e fatiada antes de ser servida. A carne pode ser de cordeiro, carneiro, bovina, cabra ou frango, ou uma mistura de várias delas.

Em 1938, um jovem turco chamado Mahmut Aygun, de 16 anos, aproveitou a onda migratória e mudou-se para a Alemanha, com a ideia de abrir uma lanchonete. Anos depois, em 1971, já estabelecido e tranquilo com seu restaurante em Berlim, Mahmut resolveu servir o döner kebab dentro de um pão pita, em vez do tradicional arroz que geralmente acompanhava esta carne.

No novo sanduíche, ele incluiu repolho e vegetais como tomate e cebola, além de um molho de iogurte - o tradicional tzatziki. Um sucesso tremendo, enrolado em papel, para evitar que o recheio vazasse.

O sanduíche de Mahmut tinha o objetivo de, basicamente, manter os bêbados afastados e o chão limpo. "Acho que seria mais fácil se as pessoas que bebem na rua pudessem levar a comida com elas", teria justificado o empresário certa vez.

Segundo o jornal britânico "The Telegraph", "o homem que inventou o döner kebab" morreu no ano passado, aos 87 anos. Em Berlim, sua morte foi recebida com pesar e uma faixa colocada em frente ao seu restaurante dizia: "Danke schön, Mahmut!*"

Dentre as muitas versões desta receita, aí vai uma:

1 kg de pernil de cordeiro
Pimenta preta ou do reino a gosto
2 tomates fatiados
2 dentes de alho
Sal a gosto
1 cebola roxa em fatias finas
1 xícara de chá de azeite
3 colheres sopa homus (pasta de grão de bico)

Deixe o pernil de cordeiro marinando por 12 horas com a pimenta, o azeite, alho e sal. Depois, asse por cerca de duas horas em forno médio, ou até que fique bem macia. Desfie a carne em pedaços médios, refogue com a cebola e o tomate, na própria assadeira, para apurar bem os temperos.

Para o molho de iogurte:

2 pepinos
sal
1 colher (sopa) de suco de limão
2 dentes de alho
1/4 xícara de azeite de oliva
1 1/2 xícara de iogurte natural

Coloque o iogurte em um pano limpo e sobre uma peneira para eliminar o soro. Descasque os pepinos e pique-os finamente ou passe em um ralador. Salpique os pepinos com sal e coloque sobre uma peneira para eliminar o líquido. Deixe repousar por 20 minutos. Pique os dentes de alho e misture ao iogurte e aos pepinos, e adicione o suco de limão. Acerte o ponto de sal e adicione o azeite misturando bem. Há quem acrescente umas folhinhas de hortelã.

Depois é só montar os sanduíches em pão sírio ou pita. Pode-se servir com folhas de alface ou de repolho cruas, cortadas em tiras.

Esta receita foi retirada e adaptada de um site muito interessante sobre a gastronomia da Turquia.

Foto: The Telegraph

* = Muito obrigado, em alemão.

Comentários

  1. Preciso parar de ler seu blog neste horário...rs..
    Sempre fico com fome depois...lá,lá,lá..
    Bjus!!

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  2. gosto POUCO desse 'sandubinha'.
    pra falar a verdade, os kebabs mais gostosos que comi foram na França. eu sempre achei engraçado isso: gosto horrores do churrasco grego - o grego mesmo - mas fora da Grécia eles eram mais saborosos, vai entender.
    e eu gosto do feito com frango, que tem um molhinho que eu não sei exatamente o que é, mas suponho que seja mostarda e canela, e tem um sabor delicioso.

    e eu concordo contigo: se perde tanta coisa nessa vida sendo imbecil e preconceituoso...

    e ó o tzatziki aqui na sua postagem também. cê comeu ele? gostosinho, né, mesmo pra quem não curte tanto pepino...

    beijo

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