Aislada e feliz em Madeira



As ilhas me fascinam. Por mais que a pós-modernidade tenha de alguma forma chegado a elas, por meio do entra-e-sai secular de navios, dos cabos e tecnologias, a maioria mantém um grau qualquer de isolamento. As águas salgadas ao redor parecem conservar, nas ilhas, certas características, tradições, ritmos e manejos que as cidades continentais já perderam há muito.

É claro que estou falando das ilhas pequenas, daquelas que dependem dos barcos e onde as pessoas estão sempre atentas ao clima, para que o acesso a elas seja possível. Imagino que no Japão, por exemplo, esta sensação não deva existir - e o que são os continentes senão ilhas gigantes?



As ilhas "menores", portanto, se assim preciso classificar, sempre me despertaram um sentimento de expectativa. É uma aventura ir para uma ilha. Olho para o céu me perguntando se pode chover no dia da partida, adiando meus planos. Imagino um dilúvio que impeça os barcos com carregamentos do continente de chegarem até aquele pedacinho de terra. Penso nas centenas de "náufragos" que seriam os turistas e ilhéus se todas as conexões com o continente se perdessem de repente. Meço as possibilidades de que fenômenos externos ou climáticos me impeçam de sair de lá. O que não seria um acontecimento de todo ruim.



Na Ilha da Madeira, trechinho de Portugal com 55 km de largura, os 980 quilômetros de água que a separam da capital criaram um lugar idílico, muito próprio, que contém em si, ainda vivas, as marcas de sua história e do que ela sempre foi. Dá vontade de ficar e ficar. Só ficar. De cozinhar com mel e especiarias e de ver as ruazinhas de pedra simplesmente arderem sob o sol. De buscar frutas tropicais nas vendas e peças de pedra vulcânica. De aprender as tradições e o falar arrastado de um português que conservou expressões já esquecidas em Lisboa.



A Ilha da Madeira em si não possui praias e é lotada de pequenas casas incrustradas em seus paredões de rocha vulcânica. O solo escuro e fértil rodeado de um azul profundo, a vegetação subtropical e o ar de colônia parecem desacelerar o tempo em Madeira. É lento e lindo.

A colonização de Madeira inspirou o modelo brasileiro. Ela foi primeiramente identificada pelos espanhóis e "redescoberta" pelos portugueses em 1440. Houve capitanias e implantou-se a atividade agrícola com o cultivo do trigo e da cana-de-açúcar importada da Sicília. Mas o Funchal, capital de Madeira, foi povoado majoritariamente por portugueses e estrangeiros que ali se estabeleceram.



A cozinha madeirense é peculiar e simples e reflete muito do passado da ilha. Com cevada, confecciona-se um prato chamado gófio (farinha de cevada, amassada com leite, mel e azeite). As roscas de cevada, as batatas doces cozidas com casca, a canja de galinha com canela, as ervas aromáticas, as espetadas de carne, os bifes de atum e o vinho da Madeira são resultados desta pequena mistura cultural e do clima tropical da ilha. E não há ícone mais perfeito para representar esta mescla do que o Bolo de Mel da Madeira.



O bolo de mel é um doce rústico, escuro, com forte sabor de mel e frutas secas. É uma receita que, a olhos vistos, ultrapassou décadas e séculos incólume - ou pelo menos, sofreu pouca influência das modas gastronômicas. Dizem que ele foi uma adaptação do britânico Christmas Pudding aos sabores locais.

Depois de cozidos e frios, os bolos são embrulhados em papel manteiga e podem ser conservados por um ano inteiro - ou degustados rapidamente, acompanhados de um bom vinho local ou do Porto. Os madeirenses solicitam, no entanto, que se cumpra a tradição: o bolo de mel deve ser comido aos nacos, com as mãos. Nada de talheres.



Bolo de Mel

Ingredientes para dois bolos de 500 gramas:

1/2 colher de sopa de fermento biológico
15 gramas de farinha de trigo
25 ml de água morna

100 gramas de açúcar mascavo
50 ml de melado
50 ml de mel
50 gramas de banha
50 gramas de manteiga

200 gramas de farinha de trigo
80 gramas de uva passa preta
40 gramas de nozes picadas
70 gramas de frutas cristalizadas
1 pitada de sal
Especiarias a gosto: algumas gramas de erva-doce moída, noz moscada, cravo em pó, canela e há quem coloque pimenta branca em pó

2 colheres de chá de bicarbonato de sódio
2 colheres de chá de vinho tipo madeira
25 ml de suco de laranja
2 colheres de sopa de raspas de laranja
Um punhado de frutas secas (damascos, amêndoas, nozes, figos, tâmaras a gosto)

Misture o fermento na água morna, acrescente a farinha de trigo e deixe descansar por no mínimo 30 minutos ou até que dobre de tamanho com a fermentação. Reserve.

Em uma panela grossa, leve ao fogo o açúcar e o melado e esquente até que dissolva o açúcar. Junte o mel, banha e manteiga, misture bem, tire do fogo e deixe esfriar. Reserve.

Peneire a farinha, especiarias, sal, bicarbonato de sódio e misture com os ingredientes restantes. Acrescente o creme feito de melado e a primeira massa feita de farinha. Misture e deixe descansar por no mínimo duas horas.

*

Não aguentei e procurei outras receitas madeirenses. Compartilho aqui:

Bifes de atum

Ingredientes:
• 1 posta de atum com cerca de 800 g
• 1 xícara de chá de vinagre de vinho branco
• 3 dentes de alho esmagados
• 1 folha de louro
• 1 pé de manjerona
• Azeite ou óleo a gosto
• 1 tomate maduro
• sal

Corte os bifes compridos mas pouco espessos, tempere com vinagre, alho, louro, a manjerona e sal. Deixe ficar nesta marinada durante algumas horas. Depois de escorridos, fritam-se os bifes de atum no azeite bastante quente.

Quando os bifes de atum se apresentarem bem dourados, coloque a marinada na panela. Deixe ferver esmagando o tomate com uma colher de pau, de modo a engrossar o molho.
Coloque os bifes numa travessa, regue com o molho coado e sirva, acompanhado de batatas cozidas.

Broas de Madeira

Ingredientes:

• 1/2 kg de farinha
• 375 g de açúcar
• 375 g de manteiga
• 4 ovos médios
• raspa de casca de limão
• 1 colher de chá de bicarbonato (rasa)
• 1 colher de chá de canela
• 2 colheres de sopa de vinho da Madeira
• 2 colheres de sopa de aguardente

Amasse todos os ingredientes e, com o preparado obtido, faça pequenas bolas que se colocam num tabuleiro untado, bem espaçadas. Levam-se a cozer em forno bem quente durante cerca de 20 minutos.

Informações e receitas retiradas do site Gastronomia da Madeira. Fotos da ilha feitas por mim; do bolo, retiradas deste lindo site de uma loja chamada A Vida Portuguesa.

Comentários

  1. ui, que eu babei nesse bolo de mel.

    eu também gosto de ilhas; 'vivi' alguns meses em uma que é um paraíso arqueológico e, mesmo que ela seja completamente turística e não habitada na maior parte do ano, ela mantém todo aquele ritmo da antiguidade, hehehe.
    já a cozinha lá repete o padrão do continente, mesmo que o cardápio seja escolhido pelos franceses e 'performado' por búlgaros. :)

    beijo

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  2. Que ilha é esta?? Não saquei... rss bjos!

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  3. Grória!!
    Voce trouxe um bolo destes pra mim, lembra??
    Eu lembro...Ô se lembro!!!
    Bjus.

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  4. Delos, na Grécia. parte dos estudos arqueológicos na ilha é feita pela École Française d'Athènes; os franceses têm na ilha uma maison des fouilles que é cuidada por um caseiro e uma cozinheira búlgaros, e alguns albaneses hehehe. mas a comida é tipicamente grega, muito azeite, muito feta, lulas, cordeiros, uvas e essas coisas.
    é quase que uma ONU no meio do Egeu, ainda mais considerando que vez por outra aportam uns brasileiros lá também... ;)

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  5. Patto , foi aquele bolo mesmo... :) também tenho ótimas memórias! rss
    Quéroul, a comida deste lugar deve ser um absurdo de boa, não é não? Põe uma receitinha no seu blog pra gente! :D
    Beijos!

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