O peixe da barraca do Jorge



Minha bisavó apelidada Neném ficou viúva muito cedo. Seu nome era Adalgisa Teixeira dos Santos, mas ninguém sabia - era apenas "Neném", como lhe chamavam os escravos que a criaram.

Com quatro filhos, já sem o marido, morava em uma chácara na rua São Clemente, em Botafogo, zona sul do Rio, numa época em que ainda havia chácaras na capital fluminense.

Filha de portugueses de Trás dos Montes, Neném era cozinheira de mão cheia. Em casa, fabricava desde licores aos pãezinhos de almoço. Todos os seus doces eram receitas antigas, vindas de Portugal, das avós e bisavós, de mil oitocentos e nada, lotadas de gemas de ovos e histórias de convento.

Rapazinho, recém-saído do colégio interno, estudante de Medicina, o filho mais velho da Dona Neném, meu avô Mário, tinha ganas de ajudar em casa depois de haver passado tantos anos em um colégio interno de Lorena. Então fazia as compras para a mãe.

Aos dezesseis anos, Mário aprendeu a escolher as frutas frescas das que não havia no pomar da chácara e, naquela época, já frequentava a barraca do Jorge, um italiano jovem e bonito, que vendia crustáceos e peixes, na feira que acontecia aos sábados, ali mesmo em Botafogo. Jorge, com seu charme italiano, convencia qualquer dona de casa a levar mais peixes do que poderia cozinhar naquele dia. E elas saíam felizes, suspirando, com os bichos a exalar seus odores dentro da sacola de palha.

Até hoje a feira está lá e a barraca do Jorge ficou a cargo do sócio Geraldo, "braço direito e fiel como um cão", como me foi relatado. Os filhos do Jorge, um advogado e outro médico, formados com o dinheiro das vendas de peixe, não quiseram saber de feira. Hoje, meus tios é que vão à barraca do Jorge, onde nossa família ainda compra o melhor badejo e o melhor cherne recém-pescados na madrugada.

E o cherne, Mireille Isaacson, que depois virou Carneiro Felippe dos Santos, aprendeu a fazer para agradar ao paladar do marido Mário e dos filhos e netos. Esta era a receita que ela seguia:

Ingredientes:
- 1 cherne comprado na barraca do Jorge, ou, se você não conseguir, que seja limpo, sem escamas, sem a cabeça e sem as vísceras
- Sal a gosto
- Sumo de limão
- 1 cebola grande ou 2 pequenas, picadas em cubinhos (deixe algumas rodelas)
- 2 ou 3 tomates firmes, picados em cubinhos (deixe algumas rodelas)
- 1 pimentão verde sem semente, picado em cubinhos (deixe algumas rodelas)
- Azeite português, ora pois
- Ramos de coentro

Esfregue limão e sal por dentro e por fora do peixe, e faça pequenas incisões no dorso do peixe, dos dois lados. Neste cortes, introduza um pouco da cebola, tomate e pimentão misturados. Arrume o peixe ao longo de um tabuleiro previamente regado com azeite, com algumas rodelas de cada um destes vegetais. Você pode fazer um padrão decorativo com estes vegetais sobre o peixe. Regue com azeite generosamente, deite alguns ramos de coentro sobre o tabuleiro e o peixe, e leve ao forno a 200 graus, por cerca de 1h30 ou até que a carne fique macia ao toque de um garfo.

Com a cabeça do peixe, pode-se fazer um pirão.

Comentários

  1. Glorinha querida, adorei o blog, especialmente o tom que vc. encontrou para falar sobre as receitas e viagens. A história da sua bisa Neném é linda!
    Parábens!
    Bjs Márcia
    PS: Já adicionei o blog aos meu favoritos.

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