O bairro e os pasteis de Belém



Em outubro passado, passei uma semana praticamente sem sair do bairro de Belém, em Lisboa, a trabalho. Nos intervalos para almoço e à noite, a equipe de eventos conseguia sair do Centro Cultural de Belém e dar uma volta no Mosteiro dos Jerônimos, na Rua de Belém, na Praça de Belém, na Torre de Belém e na Antiga Confeitaria de... Belém!

É de fato um bairro maravilhoso, cheio de história. Situado na foz do rio Tejo, Belém está intimamente ligado à fase dos grandes descobrimentos de Portugal. De lá partiram as caravelas que desbravaram os mares nos séculos XV e XVI. Atualmente, é um bairro lindo, cool, elegante, arborizado e cheio de atrações.

Ao ler A Viagem do Elefante, de José Saramago, após conhecer Belém, consegui ambientar o início da narrativa naquele antigo bairro, que outrora ficava tão distante do centro de Lisboa a ponto de ser considerado outro município. Ali, por muito tempo, nada mais havia além do antigo e deslumbrante Mosteiro dos Jerônimos e da torre que protegia o Império português de ameaças marítimas. O acesso ao bairro era feito por barcos a vapor.

Nós até conseguimos pegar o "elétrico" (bonde) e conhecer um ou outro canto de Lisboa, como "a má fama do bairro de Alfama", como diz uma velha letra de fado. Em Alfama não é possível trafegar de carro, pois as ruas medievais são mínimas e mal cabem um casal caminhando. Elas estão plenas de casas de fado e sobrados tão antigos quanto seus moradores e costumes.

O Bairro Alto só pude conhecer à noite, com seu ar de "Ouro Preto" e as casas noturnas super alternativas, que se espalham pelas calçadas de paralelepípedos, e as construções também muito antigas. Um paradoxo delicioso.

Mas foi em Belém que passamos a maior parte do tempo - comendo, trabalhando, andando, parando no Centro Cultural para umas comprinhas (livros e papelarias incríveis) e descansando nas cafeterias ínfimas. Alguns avaliam que isto seja "overrated", mas para mim, uma experiência gastronômica sem igual foram os famosos pasteis da Antiga Confeitaria de Belém. Ou: o único lugar no mundo onde se comem os pasteis de Belém, quentinhos, com açúcar e canela. Se perguntares por pasteis de Belém em qualquer outro lugar de Lisboa, vão lhe dizer: "ora, pois, soment en Blém!" No mais, são simples pasteis de nata sem nenhum mistério.



Assim como grande parte da doçaria portuguesa, os pasteis de Belém têm sua origem nos conventos. Diz-se que, em 1837, o Mosteiro dos Jerônimos atravessava uma crise e estava prestes a fechar as portas, quando os clérigos puseram à venda uns pasteis de nata. A iguaria fez um certo sucesso, mas, ainda desesperado por dinheiro, o pasteleiro do convento decidiu vender a receita ao empresário português vindo do Brasil Domingos Rafael Alves, e acredita-se que até hoje a receita pertença à sua família.

No início, os pasteis foram postos à venda numa refinaria de açúcar perto do mosteiro. Mas no mesmo ano, foram inauguradas as instalações num anexo, então transformadas em pastelaria, a "A antiga confeitaria de Belém". Hoje, são feitos cerca de 15.000 pasteis por dia, no mesmo local. A receita, transmitida e conhecida somente pelos mestres pasteleiros, mantém-se a mesma até aos dias de hoje.

Como a receita do pastel de Belém é um segredo guardado a sete chaves numa portinha chamada "Oficina do Segredo", não se sabe ao certo a diferença entre pasteis de nata e pasteis de Belém. Mas acredita-se que sejam pasteis diferentes, e que o de Belém não tenha a nata entre seus ingredientes.

O doce foi considerado a 15.ª mais saborosa iguaria do mundo pelo jornal The Guardian.

E no próprio site da Antiga Confeitaria, vídeos e fotos mostram as instalações e parte do processo. O site, aliás, é uma gracinha.

Agora, à receita. Como é grande a controvérsia sobre sua composição, fiz uma extensa pesquisa e relato aqui o que encontrei de mais aceito sobre o tema. Esta parece ser a versão mais próxima dos pasteis de Belém. Um dia destes me disponho a fazer e teço aqui os comentários. Mas se alguém o fizer antes, me conte por favor!

Uma receita para 20 pasteis:

Massa
- 300 g de farinha
- 250 g margarina para folhados
- sal e água
- ou poderá usar massa folhada comprada pronta; neste caso, só terá que estendê-la e forrar as forminhas conforme o indicado

Recheio
- 1/2 l de natas ou creme de leite
- 9 gemas
- 10 colheres (sopa) de açúcar

Misture a farinha o sal e a água trabalhe a massa até ligar. Divida a margarina em 3 porções. Estenda a massa, espalhe sobre ela 1/3 da margarina e enrole como um tapete. Repita esta operação mais duas vezes, até acabar a margarina. No final deixe descansar 20 minutos na geladeira. Em seguida, corte a massa em quadrados de 2 cm de espessura, e coloque cada quadrado sobre uma forma lisa própria para madalenas ou muffins. Ajuste depois cada quadrado, forrando toda a extensão do interior das forminhas.

Leve ao fogo em banho-maria as gemas batidas com o açúcar e as natas ou creme de leite até o preparado engrossar. Não deixe de mexer sempre, para que vire um creme liso e uniforme. Deixe amornar e coloque uma colher (sobremesa) do preparado dentro de cada forminha. Leve ao forno, até ficarem cozidos e bem dourados.

Misture canela com açúcar e polvilhe sobre o doce quente.

Boa sorte - nossa, fiquei com vontade.

Comentários

  1. é lógico que eu vou fazer baby!!! e vou te chamar para comer!!!!! ;)

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  2. Morei durante um ano em Portugal e uma das melhores recordações que tenho é da doçaria de lá e um doce em especial que marcou e muito, foi os "travesseiros" de Sintra - dá até água na boca de lembrar! *vários sorrisos*
    Mas, os pasteis de belém tem o seu lugar!!!
    Beijos

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