A feminilidade portuguesa no fado



Voltando de Portugal, sem sono para dormir as quase dez horas de voo, passei a ouvir um canal de fado na rádio TAP. Ouvi uma rodada de dez ou doze músicas, depois outra, e até tentei passar ao canal de jazz, mas de repente as canções choradas lusitanas me faziam falta aos ouvidos. Cheguei ao Brasil com uma listinha de nomes, todos de mulheres fadistas.

Eu não havia me dado conta, mas é claro que sucederia com o fado o que aconteceu com a bossa nova, os blues e o tango argentino - estão surgindo novos nomes e a música tradicional está se reinventando por novas gerações. Pessoalmente, o fado me parece ainda mais belo em vozes femininas, todas tão afinadas e cristalinas que provocam arrepios em quem escuta. E a nova geração não faz feio em relação à "mãe do fado", Amália Rodrigues.

Algumas das bravas mulheres que andam resgatando o fado em Portugal são Mariza, Carminho, Kátia Guerreiro e Mafalda Arnauth. Elas não só inovam nas composições como também nos instrumentos, que hoje incluem piano e contrabaixo, quando o fado original se valia apenas das guitarras como acompanhamento da voz.

Além disso, vários fadistas começaram a interpretar letras de escritores portugueses até então pouco relacionados com o fado. Uma linda música que conheci por acaso é "Os Meus Versos", interpretada por Kátia Guerreiro, que postei no vídeo acima. Sua letra é um soneto de Florbela Espanca, poetisa portuguesa do início do século XX.

"Rasga esses versos que eu te fiz, amor!
Deita-os ao nada, ao pó, ao esquecimento,
Que a cinza os cubra, que os arraste o vento,
Que a tempestade os leve aonde for!"...


E um detalhe interessante: muitos cantores, como a moçambicana Mariza, são nascidos em ex-colônias portuguesas, tem formação musical eclética africana, espanhola ou brasileira e hoje encarnam a perfeita alma e melodia da antiga metrópole. Talvez por isto, por se abrigar também em terras ultramarítimas, o fado tenha se salvado. Uma vez li que a ditadura de Salazar perseguia os cantores e vetava versos dos mais inocentes. De qualquer forma, como dizem em Lisboa, o fado já estava escrito desde sempre nas intrincadas ruas da cidade e não haveria de sumir - para a nossa sorte!

*

Uma dica para quem vai a Lisboa e quer ouvir o fado: ignore os conselhos do concierge do seu hotel para os fados turísticos que eles costumam indicar a estrangeiros. Desça em frente ao Museu do Fado e adentre o bairro de Alfama por um beco chamado rua do Terreiro do Trigo. Naquelas vielas há diversas casas de fado, com três ou quatro mesas no máximo, boa comida a bons preços. O primeiro endereço logo no início do beco toca o famoso "fado vadio", em que garçons e copeiras se alternam entre a cozinha e o microfone. É encantador.

Comentários

  1. Ei Grória! Tava sentindo falta do Blog!!!
    Linda a música! E Florbela é sempre bom, né?
    A propósito, ganhei dois livros dela esses dias, de presente...rs...

    Bjus!

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