O mistério da montanha flutuante


O azul cobalto do estreito se estendia por todos os lados, circundando a imponente faixa de natureza selvagem e de pedras no outro extremo que parecia flutuar no horizonte. O monte se erguia até culminar num colossal pico coberto de um branco imaculado. À sua frente, protegida pelo mar límpido e claro, estava a maior de todas as montanhas que Morgana já havia visto, com mais azul do que seus olhos poderiam ter imaginado que existisse na Terra.

Mesmo com a neve que ela entrevia lá no alto, o ar marinho trazia um vento agradável e o calor do sol lhe acariciava os braços e o rosto. A mulher então alçou as velas do barco e elas se inflaram como uma gigante nuvem de prata com a forte lufada que parecia ter surgido propositalmente para ajudar a arrastar o barco do cais do porto.

A magnífica visão à sua frente se aproximava calmamente e lhe aquecia o peito pela primeira vez desde a batalha de Camlann. Em uma esplêndida cama de madeira nobre coberta com almofadas dos mais finos tecidos, Arthur parecia dormir um doce sono embalado pelo movimento das águas. Morgana o contemplou enquanto o barco avançava, pensando que aquele seria o lugar ideal para deixar repousar seu irmão.

Na nova terra, a estrangeira levou o corpo de Arthur até o topo da montanha onde uma fumegante cratera abria as portas para o outro mundo. Foi nas vísceras daquele colosso pétreo que ele finalmente descansou. No mar que havia atravessado, em frente à tumba do antigo rei, Morgana construiu para si um esplêndido palácio de cristal e fez dele a sua morada.

Anos depois, ninguém se lembrava daquela lenda quando as invasões bárbaras assolaram toda a península e chegaram ao Meridiano da Europa. Era uma manhã sem vento no céu e no mar. Uma névoa repousava no horizonte e os habitantes de Reggio foram surpreendidos pelos metálicos ruídos da horda de conquistadores que chegou abrindo caminho como um rio de sangue pelas ruas da cidade. Seu cheiro fétido, seu aspecto lúgubre e seu apetite voraz após uma jornada de saques se alastraram pela vila, que despertou atordoada. Em sua passagem, os bárbaros abusaram de jovens, aterrorizaram crianças, golpearam aldeões e pescadores que tentaram impedi-los e roubaram as melhores frutas e pães das lojas que sequer haviam aberto as portas.

Os invasores chegaram até o porto puxando carroças e levando consigo o que podiam carregar. Seu comandante, que montava o maior cavalo de todos, parou, fascinado com a visão que se abria lá adiante. Do outro lado do estreito, um imenso monte fumegante parecia flutuar sem peso sobre um leito de vapor que repousava sobre o mar. O rei bárbaro coçou a barba e olhou em volta: só havia ali uma meia dúzia de embarcações pesqueiras e nenhum um navio digno da imponência do seu exército para chegar até lá. Perguntou aos pescadores como atravessar o estreito, mas os nativos, sem saber falar o idioma dos conquistadores, só olhavam, trêmulos.

De repente, a multidão que se aglomerava nas ruas próximas ao porto se alvoroçou, chamando a atenção do comandante.

–O que é que vem aí?– girou-se o homem, irritado com a balbúrdia que o havia interrompido.

Os pescadores e aldeãos murmuravam sons que o exército forasteiro não entendia e olhavam para trás em direção às montanhas, movendo-se de um lado para o outro. De repente surgiu, no meio da massa, uma mulher vestida como uma rainha que falava na língua dos bárbaros. A população, sem entender, abriu caminho para aquela estranha que caminhou sem medo em direção ao rei. Os próprios soldados, sem esperar que uma mulher se dirigisse dessa forma a eles, calaram em sinal de respeito.

–Não se preocupe, rei, posso oferecer a ilha ao seu exército– disse a mulher.

Com um sinal de seus longos dedos, a névoa começou a se dissipar e a montanha fumegante parecia estar subitamente a poucos passos do porto. Do outro lado do estreito todos os detalhes da ilha se revelaram: os montes, as praias, os caminhos que levavam ao campo, os animais que pastavam, as pessoas que trabalhavam e grandes barcos no porto, como se tudo estivesse ao alcance das mãos.

O rei desceu do cavalo, colocou os pés na água e ela era morna e calma, tão rasa e transparente que deixava entrever o fundo de cascalho. O comandante ordenou que todo seu exército o acompanhasse em direção à ilha, já que ela estava apenas a algumas braçadas de distância. Entusiasmados, os homens atiraram-se ao mar, refastelando-se em seu abraço tépido. De repente, o encanto se rompeu e o exército bárbaro submergiu, agitando os braços em desespero para fora d’água. O mar se revoltou e os engoliu em poucos instantes. Logo já não havia sinal do exército estrangeiro, exceto pelos cavalos estacionados no cais. A água se transformou novamente em um espelho azul e, em meio à névoa que tornou a cobrir o porto, Morgana desapareceu.

*

Esse conto é uma interpretação minha de uma das lendas contadas sobre a Sicília, o vulcão Etna e os últimos dias do rei Arthur. A mitologia siciliana, em muitas referências, inclui histórias arturianas e há quem diga que Avalon poderia ser a própria ilha.

A miragem da fada Morgana é um efeito ótico real que acontece em certas condições atmosféricas quando se observa Messina, na Sicília, a partir de Reggio Calabria, a cidade mais meridional da Itália peninsular. O efeito se deve a uma inversão de temperatura: o ar mais frio próximo da superfície atua como uma lente refratária, produzindo uma imagem aumentada e elevada do que está atrás.

Lenda, miragem ou verdade, existe um fascínio real no estreito de Messina e na visão do Etna que, para os que ali chegam de barco, parece de fato flutuar sobre uma camada de azul enevoado.


Arancini 

Os bolinhos fritos de arroz que são o lanche típico no bar da balsa que faz o trajeto Reggio-Messina. Ideal para aproveitar restos de risotto.



Ingredientes:

- Risotto de açafrão com parmesão ou do sabor que você preferir (se for fazer com as sobras de um risotto).

Instruções para um risotto simples de açafrão:

- 1 saquinho de açafrão
- 30 g de manteiga
- 500 g de arroz arborio ou especial para risotto
- 1 pitada de sal
- 1,2 L de água
- 100 g de queijo parmesão (ou caciocavallo stagionato) para ralar

Coloque a água no fogo, o sal e quando ela estiver fervendo, una o arroz para cozinhar. Abaixe o fogo, tape a panela e mexa de vez em quando. Ele deve cozinhar em 15 minutos. Desligue o fogo. Dilua o açafrão em pó em um pouquinho de água quente e una-a ao risoto cozido. Acrescente um pouco de manteiga e parmesão ralado, misture bem e deixe que o arroz repouse por pelo menos duas horas, com panela coberta ou sobre um tabuleiro coberto com um filme plástico para que ele não resseque.

Coloco aqui os demais ingredientes para o equivalente a 500 g de arroz arborio:

200 g de farinha
300 ml de água
Sal
Farinha de pão ralado finamente
Óleo para fritar
Cubinhos de queijo (escolha um que derreta bem como a muçarela. Na Itália, usa-se o caciocavallo ou a provola)

Recheios (escolha a opção que preferir):

- Ragu de carne ou de soja com cebola e ervilhas (a de carne é um recheio típico de um arancino de Messina).
- Com funghi cozidos na manteiga e queijo
- Presunto cozido e muçarela
- Salame picante e muçarela
- Abóbora cozida e gorgonzola
- 4 queijos
- Espinafre cozido e muçarela fresca
- Atum e cebola roxa refogada

Para montar os arancini:

Com o risotto completamente frio, pegue o equivalente uma colher de arroz e amasse-o nas mãos, dando-lhes uma forma de meia coxinha ou bolinha. Coloque uma colherzinha do seu recheio favorito, acrescente alguns quadradinhos de queijo e feche bem a esfera com outra colherada de risotto.

Com todos os arancini prontos, coloque a farinha de pão em um prato. Em uma tigela, prepare um creme com a farinha peneirada, uma pitada de sal e água que você vai acrescentando aos poucos. Misture bem para evitar que se formem grumos. Mergulhe todos os bolinhos nessa mistura (se chama pastella em italiano) e depois passe-os na farinha de pão, cobrindo-os completamente.

Numa frigideira, esquente o óleo a cerca de 180º e frite um ou dois arancini por vez para não abaixar a temperatura do óleo. Quando estiverem dourados, coloque-os sobre um tabuleiro coberto com papel toalha. Prove-os ainda quentes! Para fazê-los ao forno, siga os mesmos passos e coloque-os no forno aquecido a cerca de 200º.

Dica: Você pode conservá-los já fritos ou cozidos depois de frios, na geladeira. Na hora de esquentar, esquente-os no forno quente ou com a função grill para que eles retomem o efeito crocante da casquinha.

Dica2: A qualidade do queijo é essencial. Escolha um queijo não muito gorduroso, com sabor adocicado e suave. Na Itália, a mozzarella é um queijo úmido, fresco, que vem sempre em uma embalagem com água. Não use esse tipo de queijo, pois seu arancino poderá desmontar com o excesso de líquido.

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