Sobre as ilhas desconhecidas

Olfato e paladar, partes fundamentais das experiências que vivemos em nossas viagens... 

Uma viagem pode mudar a nossa vida. Ou várias viagens podem mudar a nossa vida. No meu caso, sempre me senti irremediavelmente atraída pela ideia de deslocar-me, de proporcionar aos meus olhos novas cores e paisagens; aos meus ouvidos, novos sons; ao meu olfato e paladar, novos aromas e sabores. De fazer minhas mãos tocarem novas texturas: a pele de algum bicho ou gente, um tecido, um pão, uma parede de mais de mil anos de idade, a areia fina de algum litoral, pedras que se aquecem sob o sol. De alguma maneira, tinha a ideia de que, quanto mais longe de casa, mais intensas seriam estas sensações. Uma experiência sensorial, um estímulo permanente de meus sentidos eram e são, para mim, o sentido de viajar.

Fui e voltei várias vezes e, ao regressar, me lembro de ter sempre a alma cheia de alegria, a mente plena de novas ideias e emoções, um caderno recheado de anotações com lições de vida, contatos de pessoas que havia acabado de conhecer, receitas que havia aprendido, descrições de lugares que não poderia esquecer. Viajar me dava um novo fôlego. E eu o atribuía ao fato de estar longe de casa – de alguma forma, ao fato de estar apartada de mim mesma e de tudo que conhecia, fisicamente.

Um dia, pensando que queria apreender para sempre esta sensação, decidi deixar (quase) tudo e me mudar para longe. Há seis meses estou fora de “casa” e, a cada dia que passa, tenho a contraditória impressão de estar mais perto de mim mesma. Algumas mudanças se implantaram em meu estilo de vida; muitas, em minha visão da vida, à medida que fui conhecendo mais e mais pessoas, que levaram a novos lugares, que me levaram a novas pessoas.

Realidades que nunca havia sequer imaginado se apresentaram a mim por trás de sorrisos francos de gente que já viu guerra, campo, palácio, mar, lua e estrela de outros hemisférios. Que já viajou para lá do extremo Oriente, entrou na água de outros oceanos, que teve pais, mães ou avós imigrantes que vieram de  longe e cujos netos também irão um dia, carregando sua língua e sua história e aprendendo novas línguas e histórias. É como se o mundo fosse a imensa trama de uma colcha exótica e colorida, onde no fim das contas, todos os fios se cruzam em algum ponto.

Nesta grande trama, encontrei a mim mesma em um ponto conectado com todos os demais e estou vendo seus detalhes com cada vez mais clareza. Cada fio solto que deve ser tecido de novo, cada ponta que me conecta com as origens e o futuro deste eterno tecer. Paradoxalmente, saí de casa para encontrar-me a mim mesma e para entender que, mais além dos cenários, aromas, sons, texturas e gostos que se transformam à medida que corre o chão por baixo dos nossos pés, o que mais nos faz transformar de fato são as relações que estreitamos.

Em 1997, José Saramago escreveu O conto da ilha desconhecida, um texto de pura magia que me encanta cada vez que o torno a ler. Este conto narra a história de um homem que bate à porta do rei para pedir-lhe um barco. Ele quer ir até “a ilha desconhecida” e se dispõe a vencer todos os obstáculos para fazê-lo. É a história de uma viagem, é claro (recomendo a leitura, por isso não contarei o belíssimo e surpreendente final). De alguma forma, este texto faz uma provocação às minhas certezas internas. Hoje, entendo cada vez mais seu significado e o sentido de uma de suas frases, que diz: “Se não sais de ti, não chegas a saber quem és”.

Recomendo aqui uma receita que aprendi com as minhas amigas em Barcelona e que foi também a primeira refeição que fiz ao chegar. É um prato aprendido por uma delas em uma de suas viagens...

Creme de aipo e maçã verde

Ingredientes:

- Uma batata grande
- Duas maçãs verdes
- Dois talos de aipo
- Meia ou um terço de cebola picada
- Mais ou menos 1,5 litro de água
- Sal e pimenta do reino a gosto
- Canela em pó

Retire a casca da batata, corte os vegetais em pedaços e retire também as sementes da maçã. Cozinhe-os todos juntos na água até que a batata se desmanche. Bata com um mixer toda a mistura ao final. Acerte sal e pimenta a gosto. Sirva com um fio de azeite e polvilhado com canela, além de pão bem tostado. Outra opção é servir com uma colher de iogurte natural também.

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