C´est magnifique


Meus suflês fofos e aerados, no ápice de seu crescimento


Eu tenho um pouco de medo da culinária francesa. Vejo as receitas e, ao mesmo tempo em que morro de vontade de provar de tudo, me apavoro. Não me recuso a experimentar de nada, no entanto, além de não ter nada de simples, a cozinha francesa me parece um pouco... inescrupulosa.

Tenho a sensação de que, para os franceses, não importa o quão complexo, caro, dispendioso, absurdo ou politicamente incorreto um ingrediente ou um processo sejam - se for considerado saboroso, já está na panela de cobre, com a temperatura preciosamente calculada, a ferver ou cozinhar em muita manteiga. Isto é fascinante e, ao mesmo tempo, assustador.

Alguma coisa na história e na cultura da França deve ter feito com que seus habitantes criassem este "destemor" com relação à comida. Talvez uma sucessão de guerras e governantes glutões. Mas talvez tenha sido exatamente por esta ousadia que a culinária francesa se desenvolveu e se tornou tão reconhecida ao longo do tempo, mundo afora.

Enquanto grande parte da Europa ainda comia peças inteiras assadas, cozidos grosseiros e pães muito duros (hábito, aliás, que perdura até hoje), a França já se esbaldava com receitas sofisticadíssimas. Por exemplo, os franceses descobriram cedo - no mínimo, século XVI, segundo os primeiros registros - as promissoras possibilidades de um creme de farinha com manteiga, acrescido de picos de claras em neve, e as gemas misturadas a um ingrediente surpresa. Suflê.

Uma informação histórica interessante: este tipo de suflê foi registrado pela primeira vez em 1814, no livro "L´Art du Cuisinier", do grande chef Antoine Beauvilliers. Acredita-se que seu restaurante, aberto em 1782, já servia este prato levíssimo e esquentava os estômagos de parisienses famintos.

Sim, na França, algumas receitas são simples. Mas nunca tão simples assim. No caso do suflê, metade de seu conteúdo são bolhas de ar, sobre as quais geralmente não temos nenhum controle. Aparecem se tiverem vontade. Sempre ouvi dizer que o suflê se faz em dez minutos, mas que o ponto de seu creme base é dificílimo! E que é problemático, pois "precisa ser feito na hora da refeição, já que cresce e abaixa" rapidamente.

Mesmo assim, ando vencendo alguns de meus medos. E encarei meu primeiro suflê, cujo preparo me foi orientado pelo Diário do Olivier. Normalmente, os suflês são deixados à guiza de acompanhamento, mas desta vez, eu busquei um acompanhamento para o suflê de queijo e, para isto, escolhi uma receita de rosbife de lagarto, também do gentil Olivier, que compartilha conosco, pobres mortais, suas técnicas. O suflê cresceu bonito e murchou em seu tempo esperado, e o rosbife de lagarto ficou surpreendentemente macio. Sorte de principiante?

O fato é que foi assim (e agradeço às receitas tão objetivas de Olivier, transcritas aqui com observações minhas):

Suflê de queijo
Ingredientes:

40 g de manteiga
40 g de farinha de trigo
400 ml de leite
Noz moscada e Pimenta do reino (sugiro pegar leve aqui, para não ofuscar o sabor do queijo)
4 ovos
150 g de queijo ralado (suíço, coalho ou meia cura - eu usei queijo Minas, mas creio que um Gruyère ficaria fantástico)
Sal a gosto

Em uma panela, coloque a manteiga até derreter em fogo médio, junte a farinha e misture sem deixar dourar, pois o creme deve ficar branco. Adicione o leite pouco a pouco (pouco a pouco mesmo!) mexendo sem parar, até ficar cremoso e homogêneo. Se preciso, "amasse" as bolinhas de farinha contra a panela. Tempere o creme com noz moscada e pimenta do reino. Tire do fogo e reserve.

Enquanto isso, rale o queijo e separe as gemas das claras. Junte o queijo ao creme e misture. Quando o creme estiver morno, junte as gemas. Bata as claras em neve com uma pitada de sal até ficar bem firme. Misture as claras ao creme, mexendo de baixo para cima sem bater, devagar, até ficar homogênea a massa. Acerte o sal.

Unte a tigela que irá assar o suflê com manteiga e farinha. Coloque o creme dois dedos abaixo da borda da tigela e leve ao forno pré-aquecido a 250°c por aproximadamente 20 minutos ou até ficar dourado.

Observação: esta receita rendeu dois ramequins de 20 cm.


Rosbife Olivier

Ingredientes:

1 peça de lagarto de aproximadamente 1,5 kg
Bacon em fatias finas
Sal e pimenta-do-reino a gosto
10 dentes de alho, descascados e cortados em 4
40 gramas de manteiga

Tempere os dentes de alho com sal e pimenta. Amarre o lagarto com o bacon, fure-o e insira os dentes de alho, temperando a carne com sal e pimenta. Se sua peça de bacon não tiver comprimento suficiente para isto (era o meu caso), sugiro fazer pequenas incisões superficiais com a faca sobre o lagarto, de forma a inserir as tiras de bacon sobre toda a sua extensão.

Coloque em uma assadeira untada com óleo e, por cima da carne, coloque pedacinhos de manteiga. Asse em forno a uma temperatura elevada e sirva, de preferência, mal passado. Para 1,5 kg de carne, deixei cerca de uma hora em forno a 250°c. Esta quantidade serve de cinco a seis pessoas, com acompanhamentos.

Mais uma observação: como um de meus convidados tem alergia a pimenta, substituí a pimenta do reino da receita por um pouco de alecrim desidratado, e ficou perfumadíssimo. É uma possibilidade.

Espero, com o tempo, superar todos os meus temores e acertar sempre o ponto dos complicados pratos franceses, pois costuma valer a pena. C´est magnifique.

Comentários

  1. Mais um sucesso da cozinha maravilhosa de Glória Paiva!! Très bien!!

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  2. Sabe que eu também estou nessa toada?
    Chegou pra mim hoje a Enciclopédia da Gastronomia Francesa, recém traduzida e editada pela Ediouro (vale o investimento). Folheei ele hoje, mas continuo com a mesma sensação que você tem sobre a cozinha francesa: se pode complicar, pra que facilitar?
    Nos dias de pouca preguiça e tempo de sobra vou me dedicar em algumas receitas, mas ainda acho difícil tomar minha preferência pela cozinha italiana.

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  3. Uma vez fui fazer um suflê... Fiasco total! Claro! rsrsrsrsrsrsrs
    Mas ficou comível, era só não olhar! rsrs!
    Beijinho Glória!

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