Sobre trens e tomates
![]() |
"Rasgou as folhinhas com as mãos e jogou-as ao encorpado molho, que já desprendia seu odor característico de tomate quente e adocicado" |
Um menino pequeno, de cabelos negros e encaracolados, com a mãozinha
dobrada sob o queixo, repousava sobre uma grande mala de couro entre os
assentos do vagão, coberto por uma manta verde e amarela. Ocasionalmente,
erguia os olhinhos sonolentos aos pais, assentados com a valise entre as
pernas, e o menino ia embalado pelo cheiro agradável do couro, o barulho e o
movimento do trem.
Um homem sério, com a testa franzida, de cabelos negros e encaracolados,
agora se sentava imponente, tal qual um rei em seu gabinete, cercado pela
solidão dos livros, e encarava, compenetrado, outro processo que lhe chegava às
mãos. Manuseava os papéis, a mão direita adornada por um anel de prata, herança
de uma dinastia de advogados dedicados à Lei e à ordem naquela região onde o
próprio direito tinha seu berço.
Olhava pela janela, de onde a brisa marítima e o azul do céu lhe
convidavam a sair, mas sabia que deveria dedicar-se à compreensão daquela
intrincada peça, pois o prazo até a próxima audiência era curto desta vez. Após
horas de tensa concentração, levantava-se para esticar o corpo, caminhando
entre as estantes, e, ao passar pela poltrona de leitura de seu pai,
deslizava-lhe os dedos pelo couro envelhecido, mas que ainda exalava um
prazeroso perfume antigo que lhe remetia à infância.
Estas imagens não lhe saíam da cabeça enquanto ela notava, admirada,
seus movimentos precisos e suaves na cozinha. Nem um menino adormecido entre as
pernas dos pais, nem um advogado sisudo cercado por seus livros, agora ele
parecia jovial, descontraído, em jeans desgastados e uma suéter azul. Os
cabelos encaracolados lhe caíam sobre a testa, relaxada, e ele sorria enquanto
se aproximava do fogão, agitando a panela para que o alho dourasse por completo
no perfumado azeite que se aquecia, estalando.
Enquanto a água fervia, cozinhando lentamente a massa, ele explicava
alegremente como deveria ser o ponto, nem tão suave, que derretesse entre a
língua e o céu da boca, nem tão duro que incomodasse os dentes. Ao mesmo tempo,
como um maestro atento aos diversos instrumentos de uma orquestra, amassava os
tomates contra o fundo da panela e provava a medida do sal e da pimenta.
Arrancou de um vasinho, com delicadeza, um punhado de manjericão fresco,
e levou-o ao nariz, aspirando aquele aroma da terra que lhe era tão familiar.
Rasgou as folhinhas com as mãos e jogou-as ao encorpado molho, que já
desprendia seu odor característico de tomate quente e adocicado.
Para não atrapalhar aquele harmonioso processo, ela o assistia desde um
canto da bancada, bebericando uma taça de vinho sul-americano. E pensava no
quanto era maravilhoso conhecer a história das pessoas, as milhares de histórias
que compõem uma pessoa, sua realidade, sua visão de mundo. Em um dia, era um
estranho com quem esbarrara em uma livraria, e no outro, já possuía imagens
coloridas e complexas daquele ser humano que lhe oferecia nada além de um
jantar e suas histórias.
Sentiu-se inebriada pelo vinho e pela visão de um menino doce,
adormecido sobre uma mala em um trem. Ocorreu-lhe a ideia de que o trem,
talvez, o houvesse marcado por toda a vida, transformando-lhe em um homem cuja
alma, apesar de essencialmente viajante, também se apegava com nostalgia aos
aromas do couro e de sua terra.
Tomada por tais pensamentos, observava-o distraidamente quando
ele se aproximou com a colher de madeira em suspenso, oferecendo-lhe uma prova
do molho. Pegou a colher e provou, deixando, sem querer, que lhe caísse um
pouco do precioso líquido vermelho sobre a mão. Sorriu, um pouco sem jeito, e
disse-lhe, em tom de lamento: “me sujei”...
Colocou-se subitamente sério; olhou-a e afastou uma mecha de cabelo da própria
testa. Tomou sua mão e limpou o pequeno acidente com a própria boca, estalando
os lábios em seguida, enquanto engolia. Tornou a levantar os olhos, procurou os
tímidos olhos dela, e com os olhos procurou também sua boca. E se beijaram, um
beijo com sabor de saliva, tomate e manjericão, envoltos pelo vapor da água, do
trem, do mar e do vinho de muitos países e continentes que formam uma única
história.
Molho de tomates frescos para massa (serve 4 pessoas)
- 5 colheres de azeite de oliva extra-virgem
- 1 kg de tomates frescos italianos
- Folhas de manjericão
- 1 dente de alho levemente amassado com a lateral da faca
- Sal e pimenta do reino a gosto
Retire a pele dos tomates da seguinte forma: corte uma pequena cruz com
a ponta da faca na parte de baixo dos tomates. Coloque-os em uma panela de água
fervendo e deixe-os por cinco minutos, até a pele começar a sair. Retire-os e
você conseguirá puxar a pele com as mãos. Em uma panela de boca larga, salteie
o alho no azeite, até que ele adquira um tom amarronzado, e adicione os tomates
picados. Deixe-os cozinhando por cerca de 10 minutos, até que parecem macios,
dissolvendo-se, e comecem a soltar água. Adicione sal e pimenta (pouca
quantidade) e retire o dente de alho. No final, adicione as folha de manjericão picadas com as suas
próprias mãos.
Sirva com um bom fettuccine cozido al dente e um pouco de queijo
parmesão no topo.
!!!! Adorei!!! :)
ResponderExcluir